O sofrido líbano - diário do poder
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José Sarney JOSÉ SARNEY 08/08/2020 19:46 | Atualizado 08/08/2020 20:05 ACESSIBILIDADE: text_increase text_decrease O Maranhão tem uma certa ligação com o Líbano. É difícil encontrar uma
família maranhense que com ele, de maneira direta ou indireta, não possua uma ligação de sangue, sentimental ou de amizade. Sírios e libaneses de vários credos religiosos buscaram para seus
caminhos de imigração o Norte do Brasil. Aqui no Maranhão essa presença se tornou tão forte que muitos sírio-libaneses assumiram posições de liderança na política, no comércio, nas entidades
de classe, com grande expressão. Essa influência e miscigenação se tornou tão arraigada que chegou até a incorporar-se aos costumes e à culinária. Eu sempre digo que o Maranhão tem várias
culinárias: a culinária da Costa, dos peixes e frutos do mar; a culinária portuguesa tradicional, que não abandonamos, de cozidões, tortas, caldeiradas; a do sertão, de carne de sol, maria
isabel, pirão de leite etc; a libanesa de quibes, esfirras, quibe labanie; e a maranhense mesma, mistura da africana e da indígena com um toque libanês, de onde saiu o divino arroz de cuxá.
Antônio Dino, grande médico e alma boa, que foi meu Vice-Governador, me contou uma parte dessa saga da imigração libanesa dizendo que no início do século XX alguns refugiados políticos, seus
ancestrais e muitos outros, vieram para o Maranhão, principalmente para o interior. Não guardei todo o relato, o que lamento, e faço uma sugestão para alguma tese acadêmica levantando essa
história, que faz parte da nossa. Eu mesmo tenho dentro de casa muitos Murad e Duailibe, netos, genros e bisnetos. Quando o meu romance _O Dono do Mar_ foi traduzido para o árabe, fui a
Beirute para seu lançamento. A cidade tinha saído da guerra civil e estava toda destruída. O Rafik Hariri — que seis anos depois foi morto pela explosão de um carro bomba na hora em que
passava seu comboio — era um grande político, fizera o Acordo de Faët acabando com 15 anos de guerra-civil, estava reconstruindo Beirute. Com ele e sua irmã construí mesmo uma relação de
amizade. Tenho um serviço de jantar que foi ofertado por ele. O Líbano tem uma história sofrida. Sua localização, espremido com fronteira do Israel, Síria e Chipre (pelo mar), o torna alvo
de permanente agressão e envolvimento no caldeirão do Oriente Médio, tendo como centro a milenar luta de judeus e palestinos. A tragédia que vive o Líbano com a gigantesca explosão e a
destruição do seu porto e da cidade soma-se à crise econômica e política. Naquela época se assinalava a presença de 500 mil palestinos nos campos de refugiados, comandados pelo Hezbollah,
que desequilibrava a divisão de poderes formada no pacto de independência, dividindo o poder dos xiitas com a milícia Amal. Com a guerra da Síria mais 1,5 milhões de refugiados entraram no
país, que tinha 4,5 milhões. A insatisfação vem de toda parte. O filho de Hariri tentou recentemente substituir o pai e foi expulso pelos protestos de rua que exigem “fora todos os
políticos”. A tragédia maior é um país essencialmente multicultural tornar-se inviável pela violência de seus vizinhos e pela incapacidade em exercer seu talento para a convivência. Sofremos
com o Líbano e somos solidários com o seu povo e nos juntamos àqueles que no mundo inteiro tem o dever de ajudá-los a ressurgir das cinzas. _ARTIGO PUBLICADO TAMBÉM NO JORNAL _O ESTADO DO
MARANHÃO_ E NO SITE JOSESARNEY.ORG. _