
Contratos de trabalho por hora em supermercados aumentam precarização
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_Supermercado contrata: _ _Cinco vagas para operador de caixa registradora, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Pode ter que desempenhar outras funções, como repor mercadorias, limpeza e
arrumação. Salário a partir de R$ 1.600, vale transporte e refeição no local. Expediente na escala 6x1._ O anúncio está em um _site_ popular de EMPREGOS e, assim como esse, é fácil encontrar
outras vagas semelhantes por todo o país em termos de salário, ESCALA DE TRABALHO e funções exigidas. Há uma semana, empresários do setor de SUPERMERCADOS reunidos em São Paulo disseram ter
dificuldades para preencher 35 mil postos no estado. Segundo eles, os jovens querem modernidade e flexibilidade. A solução seria adotar o REGIME DE TRABALHO POR HORA, também chamado de
intermitente. Representantes sindicais e pesquisadores da área do trabalho ouvidos pela AGÊNCIA BRASIL discordam da proposta. Dizem que a mudança aumenta a precarização do trabalhador: há
riscos de redução do salário e de perda de DIREITOS TRABALHISTAS. REALIDADE ATUAL Uma constatação, a partir da matemática básica, é de que os salários médios oferecidos em supermercados são
insuficientes para cobrir as despesas mensais. O exemplo da vaga citada no início do texto oferece pouco mais de um salário mínimo – que é de R$ 1.518. Já o valor do mínimo com descontos
previdenciários (INSS, 7,5% do bruto) é estimado em R$ 1.404. Uma busca rápida por aluguel de apartamento no centro de Nova Iguaçu, onde o emprego é anunciado, custa a partir de R$ 900 para
um imóvel de 50 metros quadrados (m²) e 1 quarto. O custo de uma cesta básica considerada ideal para ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL É DE R$ 432 POR PESSOA, segundo levantamento do Instituto Pacto
Contra a Fome. Despesa média de luz, segundo Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), fica entre R$ 100 e R$ 200 por domicílio. Nesta estimativa rápida, a renda mensal fica
comprometida em pelo menos R$ 1.432. Valor que já está acima do salário líquido. Isso tudo sem levar em consideração outros itens comuns como plano de celular, internet residencial, itens
de farmácia, cuidados pessoais como corte de cabelo, vestuário, educação e lazer. "As pessoas que trabalham nessas condições enfrentam o endividamento ou precisam complementar a renda.
Nesse último caso, por conta da escala 6x1, usam o único dia de folga no trabalho. É uma espiral de precarização", analisa a doutora em Psicologia Social do Trabalho e professora na
Universidade Federal Fluminense (UFF), Flávia Uchôa de Oliveira. "Estou com uma pesquisa, ainda em desenvolvimento, que mostra a percepção desses trabalhadores sobre a escala 6x1. O que
eu posso adiantar é que eles percebem essas condições como determinantes para o adoecimento físico e mental. É muito preocupante o número dos que usam medicamentos ansiolíticos,
antidepressivos e analgésicos para suportar o dia a dia", complementa. TRABALHO POR HORA A modalidade de contrato intermitente foi inserida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
pela REFORMA TRABALHISTA DE 2017. A descrição e as regras estão no Artigo 452-A. Em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) CONFIRMOU A CONSTITUCIONALIDADE DA NOVA MODALIDADE. No contrato de
trabalho intermitente, o trabalhador tem vínculo formal com a empresa por meio da assinatura da carteira. Mas nem jornada, nem salário mensal são fixos. O empregador decide quando convocar
o funcionário para o trabalho. A remuneração é calculada de acordo com as horas trabalhadas. Direitos trabalhistas – como férias, 13º salário, FGTS, INSS e outros benefícios – são
proporcionais ao tempo trabalhado. Todas as profissões e atividades podem ser enquadradas nesse modelo de contrato. A exceção são os aeronautas, regidos por legislação própria. A doutora em
Economia e membro do Centro de Estudos, Pesquisas e Projetos Econômico-sociais (Cepes), da Universidade Federal de Uberlândia, Alanna Santos de Oliveira, entende que o contrato por hora
fragiliza o trabalhador: ele fica sujeito à convocação do empregador, sem previsibilidade, jornada e rendimentos mínimos garantidos. > _"Para um trabalhador intermitente ganhar mais
do que um não > intermitente ele teria que assumir pelo menos três contrato em > média, o que é muito difícil de ocorrer. É uma modalidade que > teve baixíssimo engajamento no
Brasil. E, apesar do discurso de que > possa assumir vários contratos ao mesmo tempo, o trabalhador > precisa estar disponível em algum momento"_, diz Oliveira. Além da questão
econômica, a intermitência pode gerar um risco de vulnerabilidade social. "Não há garantia de que o trabalhador vá conseguir alcançar o mínimo mensal exigido pelo INSS. Ele teria que
fazer aportes para complementar esse mínimo. Em outros casos, nem teria essa prerrogativa, como o seguro desemprego e o abono salarial. A previsibilidade compromete ainda o orçamento do
trabalhador e o planejamento econômico. Como fica à espera de ser convocado e não sabe quantas horas vai trabalhar, não sabe quanto vai ganhar", explica Oliveira. PRECARIZAÇÃO Mesmo
regulamentado por lei e reforçado como constitucional pelo STF, o contrato de trabalho intermitente é visto como precarizado pelos pesquisadores. A economista da UFU explica o porquê dessa
caracterização negativa. "A ideia de precarização está relacionada com insegurança, instabilidade, baixas remunerações, proteção social limitada, direitos trabalhistas reduzidos,
imprevisibilidade de rendimento, acesso limitado à seguridade social, dificuldade de organização sindical e negociação coletiva", diz Allana Oliveira. > _"Por isso, entendo que
a intermitência é uma forma de > precarização do trabalho"_. A psicóloga social do trabalho da UFF destaca armadilhas por trás dos discursos que defendem "flexibilização",
"modernização" e "empreendedorismo". Segundo ela, são termos com sentido vago empregados para favorecer a desregulamentação do trabalho e a retirada de direitos. "A
juventude se encontra em uma grande encruzilhada da precariedade. Uma das vias é a de fragilização do emprego regulado, à beira de se tornar um 'horista'. A outra é a ideia de
arriscarem tudo no empreendedorismo. Não estamos falando de grandes empreendedores que conseguem crédito dos bancos, investimento, planejamento, especialização e qualificação para fazer o
seu negócio. E sim de trabalhadores, a maioria da população brasileira, que vão encontrar formas de ‘empreender’ muito precárias. Esses jovens são incitados a escolher entre dois projetos de
sociedade que não fazem sentido", diz Flávia Uchôa de Oliveira. FIM DA ESCALA 6X1 Entidades que representam os trabalhadores do comércio, o que inclui o setor de supermercados, são
enfaticamente contrárias à aplicação do contrato de trabalho por hora. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), Luiz Carlos Motta, reforça que a bandeira
da categoria é a redução da jornada semanal de trabalho, ou seja, sem redução salarial. > _"Acabar com a escala 6x1 é [medida] bem-vinda principalmente para > trazer qualidade de
vida às trabalhadoras e aos trabalhadores, que > a ela estão submetidos. Os setores onde essa escala poderá ser > adotada, se aprovada, tendem a ganhar em produtividade, uma vez que
> os trabalhadores vão trabalhar mais motivados. Com o fim da escala > 6x1 todos ganham"_, diz Motta. SIGA NOSSO CANAL NO WHATSAPP E RECEBA NOTÍCIAS RELEVANTES PARA O SEU DIA
Presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro e diretor da Central das Trabalhadoras e Trabalhadores do Brasil (CTB), Márcio Ayer diz que a escala de trabalho intermitente torna
o trabalhador refém da empresa, com o risco de receber menos que um salário mínimo ao fim do mês. "A juventude trabalhadora não aguenta mais a escravidão moderna da escala 6x1. Não
suporta mais receber um salário de fome, pouco acima do mínimo – como os pisos miseráveis dos supermercados – para trabalhar dez horas por dia, incluindo horas extras, e ainda enfrentar um
transporte público caótico", diz Ayer. > _"A juventude quer trabalhar com dignidade: ter a oportunidade de > estudar, ter tempo de qualidade para a família e os amigos, para
o > lazer e para o descanso. Precisamos valorizar quem leva nas costas a > economia deste país"_, complementa. A argumentação de que o país poderia quebrar e de que os empresários
teriam prejuízos grandes com o fim da escala 6x1 não levam em conta as questões sociais do bem estar, os efeitos na produtividade e não teriam respaldo nos números. "Ano passado, os
supermercados cresceram quase o dobro do que cresceu a economia brasileira. O PIB cresceu 3,4%. Os supermercados cresceram cerca de 6,5%. Claro, não estamos falando dos pequenos mercados que
estão sendo absorvidos ou expulsos do setor, mas das grandes redes", contextualiza Allana. > _"Nesse caso, justificativas de prejuízos ou dificuldades nas > contas em
função da redução da jornada são pouco razoáveis, > considerando que esse setor que tem perspectiva de movimentação > ainda maior esse ano"_, conclui.