
A hora e a vez da ópera
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A hora e a vez da ópera Para dar vazão à poética de Guimarães Rosa, então, que ferramenta melhor existe senão a música? Publicidade SÉRGIO RODRIGO REIS
Presidente da Fundação Clóvis Salgado
Guimarães Rosa encerra seu primeiro livro, “Sagarana”, de 1946, com o conto “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”. A certa altura da narrativa, o autor faz a seguinte descrição: “Era fim de
outubro, em ano resseco. Um cachorro soletrava, longe, um mesmo nome, sem sentido. E ia, no alto do mato, a lentidão da lua”. Esse é apenas um dos momentos em que Rosa se permite criar
construções poéticas, em que as palavras evocam imagens muito específicas. Não obstante, sua obra é considerada de difícil adaptação visual, pela maestria na lida com as possibilidades
expressivas da intrincada língua de Camões.
Daí os desafios de adaptar a obra do escritor para o cinema, por exemplo. Como traduzir, em imagens, os diálogos densos, ora mundanos, ora filosóficos, do mais universal dos mineiros? O que
se vê (ou lê), em Guimarães, não é o suficiente; é preciso sentir o tom de cada palavra, a cadência de cada frase, a coloratura de cada parágrafo. Para dar vazão à poética de Guimarães Rosa,
então, que ferramenta melhor existe senão a música? A ópera, pois, emerge como forma ideal para adaptar “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, já que reúne a música intrínseca à narrativa e o
drama indissociável do texto rosiano.
Não por acaso, a ópera “Matraga”, de Rufo Herrera, apresentada pela primeira vez em 2023, foi um imenso sucesso, trazendo mais de 5 mil pessoas ao Grande Teatro Cemig Palácio das Artes.
Agora, em 2025, a produção retorna, novamente com direção cênica e concepção de Rita Clemente e direção musical e regência a cargo de Ligia Amadio, maestra titular da Orquestra Sinfônica de
Minas Gerais. O Coral Lírico de Minas Gerais e a Cia de Dança Palácio das Artes fecham o trio de corpos artísticos da Fundação Clóvis Salgado que, acompanhando os solistas e atores, sopram
vida e ação ao épico sertanejo no palco.
As quase 400 pessoas que compõem a equipe criativa e técnica da ópera “Matraga” são, elas mesmas, atores de um processo sui generis no Brasil. Quando se pensa em óperas brasileiras, os nomes
que despontam são os de Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, com “O Guarani” e “A Menina nas Nuvens”, respectivamente – ambas já encenadas pela Fundação Clóvis Salgado. São, evidentemente,
obras-primas ainda relevantes. A instituição, porém, tem nos últimos anos se colocado na vanguarda com a produção, desde o libreto até a encenação no palco, de novas óperas brasileiras, em
português, assentadas na tradição e cultura de Minas Gerais. “Aleijadinho”, em 2022, “Matraga”, em 2023, e “Devoção”, em 2024, resgataram os principais elementos que compõem a identidade
mineira, apresentando ao público novas histórias e renovadas formas de se fazer ópera. Todas estão agora no repertório da Fundação Clóvis Salgado e também do país, impulsionando a
criatividade dos artistas brasileiros, a economia cultural e a força artística desse gênero que sobrevive há séculos, justamente graças à constante revitalização da qual agora “Matraga” pode
se orgulhar de fazer parte.
Custosa seria a tarefa de tentar racionalizar o sucesso dessa ópera junto ao público, assim como é difícil explicar a intensidade do texto de Guimarães, a sensibilidade da música de Rufo
Herrera, a concepção arrojada de Rita Clemente ou a regência enérgica de Ligia Amadio. Há muita técnica, habilidade e trabalho, claro, mas também um encanto quase metafísico, próprio dos
clássicos, que atravessa “Matraga”. Como diria Guimarães Rosa sobre o personagem, “todos gostaram logo dele, porque era meio doido e meio santo; e compreender deixaram para depois”.
“Matraga”, novamente, entra para a história. De 17 a 20 de maio, é a hora e a vez da ópera.
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