
Opinião: uma solução verde para salvar o acordo entre mercosul e união europeia
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Economistas geralmente concordam que mais comércio internacional é melhor do que menos. De fato, há ampla evidência empírica mostrando que a ampliação do comércio causa maior crescimento e
bem-estar social.1 É verdade que aberturas comerciais geram ganhadores e perdedores, uma vez que a distribuição dos benefícios da ampliação do comércio não é homogênea na população e no
território. Mas isso não é argumento anti-abertura; é um ponto crucial para políticas compensatórias, que distribuam os ganhos do comércio de forma mais equânime. A despeito da evidência
empírica a favor do comércio exterior, o Brasil segue sendo um país extremamente fechado comercialmente: estamos entre os 5 mais fechados dentre os 180 países da base de dados do Banco
Mundial. Se essa situação é incômoda, a boa notícia é que um acordo entre Mercosul e União Europeia foi anunciado em 2019, após quase 20 anos de negociação. Esse acordo previa a eliminação
das tarifas de importação de boa parte dos produtos comercializados entre os dois blocos. A má notícia é que um ano e meio já se passou desde o anúncio do acordo e, na prática, nada
aconteceu. É claro, o mundo foi pego por uma pandemia no meio do caminho, mas não foi só isso que atrapalhou o seu sucesso. A principal razão para o acordo não ter seguido em frente
refere-se ao aumento nas taxas de desmatamento na Amazônia. Os números divulgados nesta semana não deixam qualquer dúvida: em 2020, foram mais de 11 mil km2 desmatados na Amazônia Legal –o
que equivale a um crescimento de 47% em relação a 2018 e muito superior à meta estabelecida pela Política Nacional de Mudança do Clima– de 3.925 km2 para 2020. Naturalmente, os potenciais
parceiros comerciais do Mercosul estão atentos ao imenso retrocesso na área. Afinal, retrocessos ambientais por aqui não são ruins apenas para o Brasil, mas para todo o planeta. Diante
disso, ficar de mãos atadas, esperando o acordo empoeirar nas gavetas europeias, não é uma opção. Há muitos benefícios em jogo para o Brasil –que está encerrando a sua segunda década perdida
nos últimos 40 anos. A pergunta que não quer calar é: Como desatar o nó? Posto de outra forma, como viabilizar o acordo entre Mercosul e União Europeia conciliando os interesses e as
preocupações (ambientais) existentes? Em artigo recém-publicado, o economista norueguês Bard Harstad, referência em economia do meio ambiente, propõe um modelo onde dois blocos com
características similares ao Mercosul e União Europeia negociam um acordo de livre comércio.2 O autor mostra que o equilíbrio resultante desse acordo leva a uma extração dos recursos
naturais além do que ocorreria sem o acordo. Tal resultado teórico encontra eco na realidade dos acordos comerciais vigentes. Por exemplo, há um estudo com dados de 189 países que mostra que
os resultados previstos por Bard Harstad têm sustentação empírica.3 Nessa mesma linha, o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) estima que o acordo Mercosul e União
Europeia, nos termos atuais, engendraria um desmatamento adicional entre 122 mil e 260 mil hectares no Mercosul, sendo o Brasil (Amazônia e Cerrado) responsável por 55% desse desmatamento,
representando algo entre 67 mil e 143 mil hectares. Certamente nem Brasil, nem Mercosul e tampouco União Europeia gostariam de materializar esses resultados. Como são questões ambientais que
estão emperrando tudo, há uma solução que pode agregar gregos e troianos. O artigo de Bard Harstad analisa as propriedades de um acordo comercial estabelecido em bases distintas —que pode
ser a chave do nosso problema. Trata-se de um acordo contingente. Um acordo contingente significa que, uma vez verificado o tamanho inicial do recurso natural —no nosso caso, a floresta
Amazônica—, as partes pactuariam sobre como alocar os ganhos de comércio (estimado pela London School of Economics em algo entre 18,3 e 26,5 bilhões de euros). A inovação na proposta reside
no fato de os ganhos tarifários do Mercosul serem contingentes ao estoque de floresta remanescente. Isto é, ao proteger a floresta, o Brasil poderia introduzir pequenas tarifas, de modo a
alterar favoravelmente os termos de troca a seu favor. A estrutura tarifária dependente da manutenção da floresta ditaria a distribuição dos ganhos de comércio entre as partes. Desse modo,
haveria um incentivo a manter a floresta em pé. O artigo tem alguns aspectos técnicos que não convém, por questões de espaço, explorar aqui, mas o leitor atento se perguntará sobre futuras
renegociações em caso de recrudescimento no desmatamento. O autor explora essa possibilidade e demonstra que o acordo contingente é à prova de renegociação; ou seja, os benefícios da
estrutura tarifária em situação de conservação impedem os incentivos a desmatar. Isto porque, caso o Brasil destrua sua floresta tropical, é a União Europeia que passa a ter a vantagem de
impor tarifas e, portanto, não tem nenhum incentivo a renegociar. Para que esse tipo de acordo comercial contingente ocorra, é necessário que o setor produtivo nacional tenha atuação intensa
na sua defesa. Caso o governo não se preocupe com um bem público fundamental como a Amazônia, sua conservação há de depender da defesa dos interesses dos setores que mais devem se
beneficiar com a conclusão do acordo. Em outras palavras, pressionar por um acordo contingente pode ser uma saída para que todas as partes fiquem confortáveis com um desfecho satisfatório
para o acordo Mercosul-União Europeia. Em suma, a oportunidade é histórica. Considerando a pesquisa econômica recente, o Brasil pode não só concretizar uma abertura comercial, mas também
tornar essa abertura verde —para usar um termo corretamente em voga— e para o bem do mundo inteiro! -------------------------