O cinema lacunar de nuri ceylan

O cinema lacunar de nuri ceylan


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Até hoje inédito em Curitiba, Era uma Vez na Anatólia, sexto longa-metragem do cineasta turco Nuri Bilge Ceylan (de 3 Macacos), venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2011 e


é um dos melhores filmes lançados no Brasil no ano passado. Com seus 150 minutos de duração, talvez espante quem apenas busque diversão. E talvez seja mesmo desaconselhável para esse


público porque, de certa maneira, representa o extremo oposto do entretenimento fast food, de fruição imediata, e descartável: é lento, tem uma trama que se desdobra e se revela aos poucos,


sem a pressa de fisgar o espectador logo de cara, e dele exige empenho. Não explica tudo que se passa na tela. A história se desenrola, em grande parte, na paisagem semidesértica da


Anatólia, na porção asiática da Turquia, fotografada com maestria por Gökhan Tiryaki. Nesse cenário, que sugere desolação em vários sentidos, um grupo de policiais e de agentes da Justiça


busca um cadáver enterrado. Há um assassino confesso (Firat Tanis), mas ele nada tem de ameaçador: seu semblante é trágico, sofredor. A grande pergunta, assim, acaba sendo: como e por que o


crime foi cometido? A busca pelo corpo consome boa parte da primeira metade da narrativa. A caravana de policiais que acompanha o assassino, liderada por um comissário (Yilmaz Erdogan), vai


mergulhando em um estado impotência e perplexidade. Não consegue compreender a incapacidade do rapaz de identificar o local onde está enterrado o morto. Também participam do grupo o promotor


Nusret (Taner Birsel) e médico legista Cemal (Muhammet Uzuner), cujo ponto de vista parece coincidir com o do diretor – apesar de integrar a comitiva, ele se sente um peixe fora d’água. O


tempo dilatado pela incerteza faz com que ele comece a questionar, em silêncio, tudo que ali acontece. E esse sentimento vai, aos poucos, contagiando todos ao redor. Há, em Era uma Vez na


Anatólia, um momento sublime, no qual a inquietação é substituída pela beleza. Durante uma parada em um povoado, o prefeito da localidade oferece à comitiva uma ceia. Depois de uma jornada


tão exaustiva e inconclusiva, os homem se veem diante de uma bela, e inesperada, presença feminina: Cemile (Cansu Demirci), filha do anfitrião. Naquele momento, ela encarna a possibilidade


de uma interrupção, ainda que fugaz, do clima de tensão, e barbárie, lhes devolvendo um tanto de humanidade. Lágrimas rolam pelo rosto do assassino, imagem que embaralha as noções de certo e


errado. Ceylan exige do espectador o empenho de ir além dos diálogos, que por vezes são verborrágicos e nada dizem, para ler os que os personagens querem dizer com os olhos e preencher


lacunas, sobretudo na porção final do longa, quando o médico e a mulher da vítima se comunicam sem palavras na cena da autópsia. É um antídoto contra a obviedade. GGGG