
Quase sublime
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Corpo a Corpo com o Concreto, o terceiro livro de Bruno Zeni, é uma problematização literária a respeito de São Paulo. Tem amor e tem ódio. É homenagem e protesto. A narrativa tem um enredo
que se confunde com a linguagem, e é difícil apontar o que se sobressai. A trama se faz a partir do momento em que Romário Ribeiro bate o carro. Ele tem 25 anos, é jornalista e não tem
dinheiro para pagar o conserto. A partir desse impasse, Roma, como ele é identificado, passa a se deslocar apenas com as próprias pernas por uma megalópole onde não parece haver espaço, por
exemplo, para a poesia (uma de suas paixões). Há uma outra voz, possivelmente de um morador de rua, que, a exemplo de Roma, também não consegue se inserir na cidade. Ambos enfrentam o mesmo
problema, apesar de estarem em posições diferentes. Mas os dois se sentem estrangeiros naquela cidade enigma. O momento de maior intensidade do romance acontece quando o personagem se
recorda da temporada que passou ao lado de uma ex-namorada. Ele estava descobrindo a cidade e tinha esperança de um futuro melhor, e a dois. O contraponto com o tempo presente, em que está
sozinho, e em crise, tende a provocar um efeito desestabilizador em que lê, e comove. A trama perde temperatura nos momentos em que o narrador começa a questionar o "sistema". Roma
não tem dinheiro para pagar as contas e aparecem oportunidades. Mas ele, a la Dom Quixote (ou seria a la Che Guevara?), se recusa a entrevistar empresários ("É preciso muito
desprendimento e paz de espírito para entrevistar esse tipo de gente, não sei se seria capaz. Não sei, é muito sujo, promíscuo e pouco exigente"). Ingênuo? Talvez uma postura com gotas
e doses excessivas de visão de mundo daqueles que acreditam ser, mais que gauche na vida, "de esquerda". Mas Corpo a Corpo com o Concreto tem qualidades. A linguagem fluente
praticamente leva, de arrasto, o leitor pelas 134 páginas. Ao mergulhar em seu mundo interior, Roma fala dos mortos que carrega no imaginário e dá a entender que viver em São Paulo é muito
parecido com a condição do homem: estamos sós, assim como ao nascer, e possivelmente como será o último ato (de todos nós). GGG SERVIÇO Corpo a Corpo com o Concreto, de Bruno Zeni. Azougue
Editorial, 134 págs., R$ 38. Veja também