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O fantasma que agora ameaça as economias mais ricas do mundo não é um desses que a gente conheça no Brasil. Por aqui, o que nunca nos deixa é a inflação. Por pior que ela seja, a deflação é
mais assustadora, porque contra ela existem poucos instrumentos. O economista José Roberto Mendonça de Barros define o problema como a "perda do futuro". O consumidor não consome
porque teme o futuro, os preços caem por falta de consumidor, as empresas não conseguem vender e reduzem os preços. Mesmo assim, não convencem o consumidor. Porque estão tendo prejuízos, as
empresas reduzem ainda mais os preços, o consumidor, mesmo com dinheiro, não compra porque amanhã tudo pode ficar mais barato. A economia entra numa espiral descendente da qual é difícil ser
retirada. A política monetária, que funciona quando é para combater os preços altos, acaba sendo neutralizada quando é para combater preços em queda livre. Na deflação do Japão, mesmo o
juro sendo zero, a população continuava poupando pelo temor em relação ao futuro; nada a convencia a consumir. Tudo isso é estranho para o brasileiro, que convive há décadas com a maior taxa
de juros do mundo, e qualquer queda pequena de taxas nominais desanima o poupador e anima o consumidor. É difícil entender a doença econômica que leva as pessoas a não comprarem mesmo com
juro zero. Esse é o risco que agora ronda a economia americana. Os preços por atacado caíram ao menor nível desde a Segunda Guerra e os preços ao consumidor tiveram queda de 1%. Isso lembrou
a eles a deflação, que leva à depressão. Os juros, naquela época, foram reduzidos para 1% e eram altíssimos, já que a variação de preços era negativa. Como pode o mundo ter virado assim tão
rapidamente? Há pouco tempo, o risco era de inflação global pela disparada dos preços dos alimentos e do petróleo. Agora, os dois grupos despencam. Mas o que assusta é a desvalorização
constante dos imóveis nos EUA, que vai recriando o nó que levou à crise: a dívida dos americanos aumenta e seu patrimônio cai. Mendonça de Barros acaba de voltar dos EUA. A notícia que traz:
Só sei dizer que o bicho é grande e feio disse, para definir a crise americana. Ele lembra outro problema. Os americanos estavam acostumados a consumir se endividando; agora, terão que
poupar. Este é um ajuste saudável a longo prazo, mas significa aprofundar a recessão, porque terão que fazer um esforço maior de cortar gastos para poupar e, assim, cobrir gastos no futuro
que eles cobririam com dívidas. O Brasil está muito longe disso. A inflação está alta para os padrões mundiais. Ainda que caia um pouco, por causa da queda dos preços das commodities, está
sempre pressionada pela alta do dólar. Os juros estão altos, a inflação permanece muito perto da meta e se o BC concluir que precisa subir as taxas, haverá a mais elevada tensão já ocorrida
no governo Lula dentro da equipe econômica. A sorte é que a queda da demanda também deverá derrubar os preços. Mendonça de Barros diz que, aqui, o governo pensa muito em aumentar a oferta de
crédito, mas pode haver uma queda da demanda por crédito. Mesmo havendo crédito, o consumidor pode ficar com medo de se endividar e perder o emprego, ou se endividar num contexto de
insegurança econômica. Isso derrubaria as vendas, mesmo na hipótese de normalização do mercado de crédito. Ontem, num debate na Globonews, a empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza,
admitiu que as vendas de novembro estão fracas. Fracas quando se pensa que estamos em novembro e o último trimestre do ano é sempre o mais movimentado. Ela acaba de abrir 50 novas lojas em
São Paulo, num movimento ousado de marketing para se instalar num mercado no qual ela diz que não se pode chegar pelas beiradas. Este ataque ao mercado paulista foi marcado exatamente para
setembro, mês em que a crise estourou. Mesmo assim, ela diz que as vendas foram 30% maiores do que o programado. Sobre o Natal, ela diz que o consumidor vai se atrasar na tomada da decisão
de compras, mas que acha que, nas duas últimas semanas, ele será atraído pelas promoções, se o varejo souber fazê-las. Nesta área da inflação-consumo-deflação, a conjuntura do Brasil é
completamente diferente dos outros países. Na Europa, nos EUA e no Japão, os preços estão despencando e, por isso, passa-se a temer o fenômeno da deflação como doença econômica que deprime
ainda mais a economia. No Brasil ainda se luta contra a inflação, poucos preços caem, mesmo com a redução do consumo. Os preços de derivados de petróleo, por exemplo, não estão em queda como
em outros países porque aqui é um mercado controlado por uma empresa monopolista que mantém o mesmo preço da gasolina, esteja o petróleo em US$ 147 ou em US$ 50. Mistérios de um país em que
a economia de mercado nunca foi inteiramente instalada. O erro é as autoridades acharem que o Brasil enfrenta o problema que os outros países estão enfrentando e errar a receita médica. Por
isso, vale repetir: o mundo enfrenta agora a assustadora ameaça da deflação, mas, no Brasil, ainda estamos às voltas com a velha inflação, que acumula alta de 6,4% nos últimos 12 meses.