
Voluntariado ou participação cidadã?
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Algumas questões levantadas pela pesquisa Retrato da Grande Curitiba, da Gazeta do Povo, apresentam resultados aparentemente contraditórios: 82% dos entrevistados afirmaram que não fazem
trabalhos voluntários, apesar de 72% terem clareza de que o trabalho voluntário é uma forma de cada um fazer sua parte e ajudar aos que precisam. Leituras apressadas podem conduzir a
interpretações errôneas como: concluir que os habitantes de Curitiba não são solidários ou adversos à participação cidadã. Existem outros dados da pesquisa, porém, que permitem realizar
leituras mais aprofundadas, por exemplo: para 70% dos entrevistados "é dever de todos cuidar do que é público, mesmo que o governo não faça sua parte". Esse dado nos permite
estabelecer um elo entre o fato de Curitiba ser considerada referência em termos de qualidade de vida, e o elevado porcentual de moradores que concordam com a importância de cuidar do bem
público, revelando um elevado espírito cívico que se contrapõe ao fato de 82% não participar de trabalhos voluntários. A relação entre qualidade de vida e espírito cívico foi aprofundada no
livro Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna, no qual o autor, Robert Putnam, defende a hipótese de que o desenvolvimento desigual entre a região norte e sul da Itália
estaria relacionado com a existência de um estoque elevado de capital social, redes sociais de solidariedade, reciprocidade, confiança mútua que possibilitaria maior participação social e
política e uma vida associativa mais intensa. Nessa visão, ganha destaque a ideia de comunidade cívica, de pessoas que agem em torno do bem comum. No caso de Curitiba, algumas
características que a tornam uma cidade ímpar: elevadas taxas de alfabetização de adultos e alto Índice de Desenvolvimento Humano na área da Educação. O significativo estoque de vontades
direcionadas a cuidar do bem público, ao mesmo tempo que pode explicar o motivo pelo qual Curitiba é sinônimo de qualidade de vida, é um indicador que representa uma grande esperança e uma
aposta para o futuro que tem na sua base a força da população por meio de organizações religiosas, culturais, comunitárias, esportivas e empresariais em prol do bem comum. A hipótese
levantada por este jornal, por Ana Lúcia Santana, da UFPR, em relação a que os cidadãos não se identificam enquanto voluntários, apesar de muitos deles atuarem em grupos que agem em prol do
bem- comum, é perfeitamente plausível. Contudo, a não identificação da participação cidadã com o trabalho voluntário pode representar o fato de que a população não se apropriou, nem
incorporou, no imaginário coletivo, essa prática do terceiro setor, importada dos Estados Unidos e impulsionada pelo governo de FHC. Ao contrário, ela tem sido profundamente questionada por
seus componentes ideológicos e sua matriz neoliberal. Apesar de não existir uma identificação conceitual, tanto a participação cidadã, quanto o voluntariado, são processos que dão vida a uma
comunidade cívica, perpassando os mais diversos estratos e grupos sociais, seja no âmbito empresarial, no universo religioso, ou na atuação das ONGs, como a Central Única de Favelas (Cufa),
envolvendo a juventude em atividades culturais ou a Universidade Livre do Meio Ambiente, ao disseminar a educação ambiental junto às escolas paranaenses. O Retrato da Grande Curitiba é
muito claro: mais do que uma cidade com qualidade de vida, seus moradores mostram predisposição para participar, agir e assumir responsabilidades na construção de um lugar feliz, com gente
feliz, tornando a felicidadania, da qual a doutora em educação Terezinha Rios nos fala, uma realidade. ADOLFO IGNACIO CALDERÓN É DOUTOR EM CIÊNCIAS SOCIAIS COM PÓS-DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, DOCENTE DO MESTRADO EM EDUCAÇÃO DA UTP. É AUTOR DO LIVRO DEMOCRACIA LOCAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR (CORTEZ EDITORA). E-MAIL:[email protected]