Marcos nobre: 'é preciso reconstruir a direita democrática'
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O professor da Unicamp Marcos Nobre identifica uma singularidade na política atual: não estamos diante de uma polarização, mas de uma divisão que ocorre quando as regras do jogo parecem não
mais serem suficientes para resolver os conflitos. Para ele, é necessário a construção de um novo pacto, que isole o extremismo. “É preciso reconstruir a direita democrática”, afirmou. A
seguir, trechos da entrevista. PROFESSOR, O SR. DIZ QUE NÃO VIVEMOS MAIS UMA POLARIZAÇÃO, MAS UMA SITUAÇÃO DE DIVISÃO DO PAÍS. POR QUÊ? A situação que a gente tem hoje é de divisão. Não
existe um acordo sobre qual seja o campo em que deve ser jogado o jogo. Há uma divisão profunda nas sociedades, não só no Brasil. Isso vai ter um reflexo nas saídas. Como você não tem mais a
democracia como campo comum não há mais elementos a partir dos quais os conflitos podem ser elaborados. É uma situação limite. A democracia está em estado de emergência. Tem duas saídas
para isso. A primeira é a emergência democrática se tornar resistência democrática, com a vitória do autoritarismo típico dos anos 2010, que é um autoritarismo eleitoral, que fecha o regime
desde dentro a partir de sucessivas eleições e transformações legislativas e da composição da Suprema Corte. Essa é uma saída em que uma parte impõe à outra o seu conceito de mundo. Como
seria a saída progressista? Ela é ao mesmo tempo preservar as instituições democráticas, mas sabendo que elas precisam ser reformadas. Não pode ser uma volta ao passado. QUAL A IMPORTÂNCIA
DAS REALIDADES REGIONAIS PARA A DIVISÃO DO VOTO NO BRASIL? Quando a gente olha o País por região ou por Estado, muitas vezes a gente diz que aquele lugar é lulista ou bolsonarista. Mas uma
diferença em Minas de 5% pró-Lula não faz de Minas um Estado petista. Há uma divisão do País que não é regional, mas por outras categorias. Antes de tudo econômica: quanto mais rico, mais
vota no Bolsonaro e quanto mais pobre mais vota em Lula. Desde 2018 surgiram outras duas divisões importantes: a religiosa e a por sexo. Esta última já foi maior: as mulheres votam menos em
Bolsonaro do que homens. Na religiosa, a posição de Lula entre católicos e a de Bolsonaro entre evangélicos se invertem na preferência. Essas divisões não são regionais. QUAL O PAPEL DO
PARTIDO DIGITAL BOLSONARISTA NA MUDANÇA DO CENÁRIO DE POLARIZAÇÃO PARA DIVISÃO DO PAÍS? Fundamental. O partido digital bolsonarista é aquele que conseguiu consolidar a divisão. Isso tem
muito a ver com o fato de que, globalmente, onde tem democracia, a extrema direita foi a que melhor soube usar o mundo digital para contornar os portões, filtros e obstáculos do
establishment democrático: a academia, a imprensa e o parlamento. NESTA ELEIÇÃO, A ESQUERDA CRIOU SEU PARTIDO DIGITAL? Não. Nem de longe, porque um partido digital é algo que se constrói ao
longo de anos. O PARTIDO DIGITAL FOI FUNDAMENTAL PARA A EXTREMA DIREITA HEGEMONIZAR AS FORÇAS DE DIREITA NO PAÍS? Exatamente. Estamos nessa divisão porque a direita brasileira está
hegemonizada pela extrema direita. Para a democracia sobreviver, se o pacto progressista for proposto e conseguir incorporar uma parcela maior da população, ele vai ter de produzir uma
direita que seja capaz de disputar com a extrema direita a hegemonia. A EXISTÊNCIA DE DOIS ANTAGONISMOS, O ANTIPETISMO E O ANTIBOLSONARISMO, É PARTE DA SINGULARIDADE ATUAL? É por isso que
não é polarização e sim divisão. Quando tem divisão, você tem dois campos. Eles não se definem só por oposição a outro, mas também em termos de valores e expectativas em relação ao mundo e
ao futuro. Para uma reorganização democrática, precisaríamos voltar a algum tipo de polarização. O MODELO ITALIANO DO PÓS-GUERRA, QUE ISOLOU COMUNISTAS DE UM LADO E NEOFASCISTAS DO OUTRO,
SERIA VIÁVEL? Seria inviável porque você tem o bolsonarismo muito forte, tanto em termos de organização e mobilização como no Congresso. A médio e longo prazo, a esquerda e a direita
democráticas têm de construir um acordo para isolar a extrema direita. Vamos ter de conviver com a ameaça extremista bolsonarista durante muito tempo. PARA A DEMOCRACIA SER FUNCIONAL DEVE-SE
RECONSTRUIR A DIREITA DEMOCRÁTICA? Sim. É preciso reconstruir a direita democrática. Em todos os lugares onde a democracia se implantou após a 2ª Guerra Mundial havia um acordo implícito
entre a esquerda e a direita democráticas de isolar a extrema direita. Aqui no Brasil não só esse acordo não houve como a extrema direita chegou ao poder. As informações são do jornal O
ESTADO DE S. PAULO.