
A prevalência dos encargos contratuais após a judicialização - migalhas
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A discussão sobre a manutenção ou não dos encargos contratuais após o ajuizamento de ação judicial tem sido tema recorrente nos tribunais brasileiros e ainda não encontra solução pacífica. O
cerne do debate gira em torno de saber se, proposta, ilustrativamente, execução de título extrajudicial - versando sobre contratos de empréstimo, cédulas de crédito ou instrumentos
particulares de confissão de dívida -, permanecem exigíveis os encargos pactuados pelas partes ou se, a partir desse momento, deve haver a substituição por encargos legais, nos termos do
art. 406, § 1º, do Código Civil. É importante observar que, ao firmarem um contrato, as partes têm liberdade para definir os encargos que melhor se ajustem à realidade da operação, levando
em conta prazos, riscos e garantias envolvidos. A escolha de índices de correção e dos juros moratórios reflete a alocação de riscos, decorrente da autonomia privada, e busca assegurar o
equilíbrio econômico do negócio frente a eventual inadimplemento. Os encargos legais aplicam-se de forma supletiva ou substitutiva quando não houver estipulação contratual válida ou quando a
lei assim determinar. A partir da lei 14.905/24, o art. 406 do Código Civil passou a prever expressamente, em seu § 1º, que os juros legais correspondem à taxa Selic, deduzido o índice de
atualização monetária previsto no parágrafo único do art. 389, que, por sua vez, estabelece que, na ausência de convenção, a correção monetária seguirá a variação do IPCA - Índice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo. Essa distinção entre encargos legais e contratuais é particularmente relevante no contexto das execuções judiciais, nas quais se discute se a pactuação entre
as partes deve prevalecer integralmente ou se, diante da judicialização, incidem os parâmetros legais de forma automática. No STJ prevalece o entendimento de que, no caso de inadimplemento
da obrigação, os encargos contratuais incidem até o efetivo pagamento do débito, não se limitando ao período anterior ao ajuizamento da ação executiva, conforme precedentes das duas turmas
de Direito Privado (e.g. AgInt no AREsp 2.306.660/RS, relator João Otávio de Noronha, 4ª turma, e AgInt no AREsp2.288.299/SP, relator Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma). Ocorre que, no âmbito
dos Tribunais Estaduais, não há pacificação sobre o tema. No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, prevalece o entendimento de que o ajuizamento da execução implicaria
"judicialização do débito", fazendo incidir exclusivamente os encargos legais (e.g., agravo de instrumento 2337904-10.2024.8.26.0000, relator Spencer Almeida Ferreira, agravo de
instrumento 2049683-40.2021.8.26.0000, relator Elói Estevão Troly). Apesar disso, há precedentes na linha do entendimento do STJ (e.g., agravo de instrumento 2391845-69.2024.8.26.0000,
relatora Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca). Em outros Tribunais há também entendimentos em ambos os sentidos. Pela adoção de encargos legais após a judicialização do débito: TJ/RS,
agravo de instrumento 5013243-76.2024.8.21.7000, relator Eduardo João Lima Costa; TJRN, Apelação nº 0000548-68.2011.8.20.0111, Relatora Martha Danyelle Santanna Costa Barbosa). Na linha do
entendimento do Superior Tribunal de Justiça: TJMG, agravo de instrumento 071386745-2024.8.13.0000, relator João Cancio; TJPR, agravo de instrumento 0086017-18.2023.8.16.0000, relatora
Rosana Andriguetto de Carvalho. Diante desse cenário, é possível afirmar que não há consenso sobre a matéria, de modo que se evidencia uma instabilidade interpretativa que pode afetar
diretamente a estratégia processual e o valor efetivamente recuperável em ações de execução. Para as empresas, compreender essa controvérsia é essencial, pois qualquer relação negocial com
risco de inadimplemento pode impactar de forma significativa os aspectos contábeis e financeiros. A incerteza sobre a manutenção dos encargos pactuados afeta diretamente o cálculo da
rentabilidade e a expectativa de retorno, especialmente em casos de inadimplência judicializada. É justamente por isso que esse aspecto deve ser considerado desde a fase contratual, como
parte da matriz de risco jurídico-financeiro da operação. Além disso, os modelos de contingenciamento e projeção de passivos ou ativos judiciais devem levar em conta os diferentes cenários
possíveis, tanto de manutenção como de limitação dos encargos, a depender do posicionamento adotado pelo juízo competente, sobretudo enquanto não houver pacificação da jurisprudência sobre o
tema. Trata-se, em última análise, de reconhecer que a previsibilidade contratual não depende apenas da qualidade da redação das cláusulas, mas também da compreensão clara das incertezas
jurisprudenciais que as cercam. Antecipar-se a essas discussões permite às empresas tomar decisões mais informadas, proteger suas posições negociais e ajustar com maior precisão seus
instrumentos de controle e governança jurídica.