
Isolados ou em cadeia, os morros de florianópolis desafiam trilheiros e realçam o natural
Play all audios:

Há quem enxergue os morros como meros acidentes geográficos, obstáculos para as atividades agrícolas e da construção civil ou, com alguma boa vontade, ambientes naturais onde a ação humana
é mal recebida. No outro lado estão as pessoas que palmilham esses lugares ermos, de mata fechada, como quem explora um tesouro, com todas as surpresas que eles podem conter. Em seus 424
quilômetros quadrados, a Ilha de Santa Catarina tem 60 morros nomeados e alguns poucos que nunca tiveram direito a uma denominação oficial. Podem ser cumes isolados, cadeias de montes que
tocam uns aos outros e maciços que contrastam com os baixios, as restingas, os mangues, as lagoas e lagunas, as dunas e praias, os rios, córregos e nascentes que são pródigos na região. Quem
lida de perto com o assunto sabe, por exemplo, que o morro do Ribeirão é o mais elevado da Ilha, com 532 metros de altitude, e que muitos têm nomes de animais (morros da Capivara, do
Badejo, das Aranhas), de pessoas (morros dos Marques, da Virgínia, dos Vitorinos, Manoel Lacerda) e de rios (morros do Rio Vermelho, do Córrego dos Naufragados, do Ribeirão das Pedras, do
Córrego Grande). Entre os que não foram batizados estão as três elevações de configuração semelhante que ficam entre as praias Mole e Joaquina, no Leste da Ilha. Olhar para todos eles e
para a paisagem que se descortina do alto é uma experiência inesquecível. Neste sentido, fazer uma caminhada com o trilheiro Rodrigo Dalmolin, 40 anos, um apaixonado por mato e natureza,
é aprender muito sobre os morros da Ilha, que ele conhece como poucos. No ano passado, Dalmolin publicou, com o fotógrafo Danísio Silva, o livro “Trilhas e histórias da Ilha de Santa
Catarina”, no qual esmiúça as peculiaridades de 20 caminhos que desvelam, mais do que trajetos de uso antigo entre as vilas e comunidades, a presença humana, vidas encontradas no percurso e
a atividade de mateiros que conhecem cada metro quadrado como a palma da mão. Das trilhas para os morros, foi um passo. “As pessoas me chamavam de maluco porque ia enfrentar o mato sem
trilhas e com muitas cobras”, conta. Formado em filosofia, Dalmolin faz isso por prazer, por um projeto pessoal e também para deixar sua contribuição, ajudando outros a colocarem um
tijolinho na grande obra que é preservar as riquezas naturais da Ilha. Para isso, além de registrar tudo o que pode, ele coloca no seu perfil no Facebook imagens e informações sobre os
morros que visita. Junto com colegas e professores do curso técnico de agrimensura do IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina), ajudou a definir com precisão, em 2017, a altura (213,817
metros) do morro da Coroa, no Sul da Ilha, que ainda não consta nos mapas da cidade. LENDAS E FANTASIAS Formada pela junção de ilhotas de um antiquíssimo arquipélago próximo à costa, a
partir de séculos de deposição de sedimentos, a Ilha de Santa Catarina tem morros isolados, como os dos Ingleses e do Forte, separados de cadeias maiores por longas extensões planas de dunas
e restingas. É possível que tenha havido atividade vulcânica, num passado também remoto, porque foram encontrados vestígios de vidro vulcânico no costão do Matadeiro, no Sul da Ilha.
“Esse material é comum nos lugares onde o magma se resfria muito rápido, não dando tempo para a formação da rocha”, explica Rodrigo Dalmolin. Relato deixado por José Arthur Boiteux em 1915
fala de um “morro cônico” na mesma região, que o historiador citou como “vulcão da Ilha”. Esta e outras “lendas” entram no que Dalmolin chama de “arqueofantasia”. Nessa categoria figuram as
histórias da “lagoa encantada” no morro da Barra do Sambaqui e do suposto túnel entre o morro da Cruz e a Catedral. Há mapas dos séculos 17 a 19 que nomeavam praias, mas não morros, porque
estes eram menos estratégicos do ponto de vista da defesa do território. Uma exceção era o morro da Granada, presente num mapa feito em 1778, logo após a invasão espanhola da Ilha,
localizado entre o Matadeiro e a Lagoinha do Leste. O último mapa da malha urbana, de 2005, não cita esse local. No cume do Assopra, perto de uma antiga rampa de parapentes na Lagoa da
Conceição, Dalmolin aponta para outros morros importantes ao redor, como o do Badejo e os montes do extremo Sul da Ilha. RECOMENDAÇÕES AOS INICIANTES Com a autoridade de quem aprendeu muito
com as trilhas, o mato e os mateiros, Rodrigo Dalmolin informa aos neófitos que “o cume sempre engana”, ou seja, dá a impressão de que está ali, mas fica mais adiante, pode ser uma grande
pedra coberta por vegetação e tem topos que, pela cobertura espessa, não oferecem qualquer vista atrativa ao caminhante. Este é o caso do morro do Ribeirão, o mais alto de todos, coberto
por mata densa. “Antigamente os morros eram pelados”, diz ele, citando o uso agrícola e pastoril. Na maior parte da Ilha, a vegetação se encontra em diferentes estágios de regeneração,
porque o aproveitamento das encostas para o plantio (aipim, feijão, café, cana) foi abandonada a partir dos anos 70. O trilheiro sugere que qualquer caminhada seja bem planejada, pelos
riscos que envolve e porque o trajeto costuma esbarrar em cercas e propriedades privadas. É por isso que ele usa GPS para se orientar e ganhar tempo. À pergunta “por que subiu o topo de
todos os morros de Florianópolis?”, ele responde: “Porque eles estão aqui”. Neste sentido, se inspirou na resposta do alpinista britânico George Mallory ao responder por que subiu até o
cume do Everest: “Porque ele está lá”. CURIOSIDADES * O ponto extremo Norte da Ilha fica no morro do Rapa (184 metros de altura), o ponto extremo do Sul está no morro do Córrego dos
Naufragados (329 metros) e o do Leste fica no morro dos Ingleses (195 metros). * Existem dois morros com o nome de Saquinho, um na Lagoa da Conceição, o outro na Lagoa do Peri. * Somada, a
altitude dos 60 morros da Ilha chega a 17.696 metros, quase duas vezes a altura do Everest, que tem 8.848 metros. * Quando for incluído no novo mapa físico-político de Florianópolis, o morro
da Coroa (que foi objeto de medição feita por alunos e professores do curso de agrimensura do IFSC no final de 2017), no Sul da Ilha, será o 61º morro nomeado da cidade. * Há morros da Ilha
que são pródigos em nascentes e outros em cachoeiras: só no maciço da Lagoa há sete delas, a maioria próximas ao Itacorubi, no lado esquerdo da rodovia. * O morro das Canas, o mais baixo da
Ilha (75 metros), tinha um caminho cerrado por onde os nativos transportavam sua produção a cavalo ou carro de boi em direção à Cachoeira do Bom Jesus. Ali também está a prainha do Rosa,
que desaparece nas horas de maré alta. [embedded content]