
“o custo da lei da ficha limpa é altíssimo para o regime democrático”
- Select a language for the TTS:
- Brazilian Portuguese Female
- Brazilian Portuguese Male
- Portuguese Female
- Portuguese Male
- Language selected: (auto detect) - PT
Play all audios:

Em entrevista exclusiva à coluna, o advogado Marcelo Peregrino Ferreira defende a recente decisão do ministro Kássio Nunes, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que suspendeu trecho da Lei
da Ficha Limpa. “Os filtros da democracia são feitos pelos partidos e pelo voto. Tudo o mais é tutela indevida, sob a alegação que o povo ‘não sabe escolher’”, afirma. Marcelo Peregrino
Ferreira comentou decisão do ministro do Superior de Justiça – Foto: Divulgação/ND VOCÊ VEIO A PÚBLICO PARA ELOGIAR A DECISÃO DO MINISTRO KÁSSIO NUNES, DO STJ, QUE SUSPENDEU PARCIALMENTE OS
EFEITOS DA LEI DA FICHA LIMPA. POR QUÊ? A decisão do ministro simplesmente permite que a pena de inelegibilidade seja certa e conhecida. No regime atual a inelegibilidade é contada desde a
decisão colegiada nos casos criminais. E após o cumprimento da pena são acrescidos mais oito anos. Isso significa que quanto mais a pessoa recorre, exercendo o seu direito de defesa, maior é
a sua pena. A garantia constitucional de ampla defesa e do devido processo legal se torna uma agravante do tempo da inelegibilidade. O próprio ministro Luiz Fux avaliou esta questão e foi
vencido no julgamento. Os precedentes dos organismos internacionais vão no mesmo sentido como o Caso _Rolandas Paksas versus Lithuania_ de junho de 2011 e o Caso _Dissanayake, Mudiyanselage
Sumanaweera Banda v. Sri Lanka,_ março de 2005. Neste último o Estado não conseguiu demonstrar, de forma objetiva e razoável, a relação entre a ofensa e o tempo de inelegibilidade de sete
anos após o cumprimento da pena. POR QUÊ CONSIDERA QUE A LEI, CRIADA COM O PRETEXTO DE CONTRIBUIR PARA A MORALIZAÇÃO DA POLÍTICA, TEM POTENCIAL DE CRIAR MAIS CORRUPÇÃO DO QUE PRETENDE
AFASTAR? No sistema atual as decisões condenatórias do Tribunal de Contas geram inelegibilidade, bem como a rejeição de contas pelas Câmaras de Vereadores. Não tem sido incomum a busca e
criação de fatos para gerarem inelegibilidades “artificiais”. Se o prefeito não tem a maioria na Câmara pode, facilmente, tornar-se inelegível, sem que isso tenha qualquer relação com a
moralização da política. VOCÊ DIZ QUE O CUSTO DO ERRO DA LEI DA FICHA LIMPA NÃO TEM SIDO PEQUENO. O LEGADO É 100% NEGATIVO? O regime democrático pressupõe a participação do povo e é
aprimorado com a experiência. Você vota em alguém, erra, vota novamente em outro. A Lei da Ficha Limpa usurpa esse aprendizado ao afirmar que todos são ficha limpa, dando a falsa impressão
de pureza de todos os mandatários. Há também uma questão gravíssima que é a limitação do universo dos candidatos, sem a participação da cidadania. O Estado não deveria ter participação na
escolha do universo dos candidatos. Nas democracias quem escolhe é o povo. Não há país no mundo com tantas hipóteses de inelegibilidades. Mais pessoas foram “formalmente” cassadas pela Lei
da Ficha Limpa que na ditadura militar. O Brasil, segundo dados da Transparência Internacional, mantem o pior patamar da série histórica do Índice de Percepção da Corrupção, desde o ano de
2012, caindo de uma posição no _ranking_ de 180 países e territórios para o 106º lugar, em 5 sucessivos recuos. O custo dessa lei é altíssimo para o funcionamento do regime democrático. A
corrupção deve ser tratada por meio de experiências bem-sucedidas como o projeto “O que você tem a ver com a corrupção” do Ministério Público de SC, de autoria do promotor Afonso Ghizzo e
não por meio do direito eleitoral. SUA OPINIÃO É QUE A LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DE CANDIDATOS POR CRITÉRIOS MORAIS É INSTRUMENTO TÍPICO DOS REGIMES AUTORITÁRIOS. O FILTRO DEVE SER FEITO SÓ NAS
URNAS PELO ELEITOR? De forma geral, a inelegibilidade é sempre exceção, porque se proíbe o cidadão e a soberania de escolher alguém. Isso é de uma gravidade enorme e tem sido banalizado no
Brasil após a Constituição de 1988. Vivemos hoje o regime de inelegibilidades da Ditadura militar. A exigência da moralidade do candidato veio com o Pacote de Abril, em 1977. O político é
visto como alguém perigoso que precisar ser controlado e impedido de todas as formas de delinquir. É um direito eleitoral do inimigo que tem inibido até a propaganda eleitoral, meio por
excelência de informar o cidadão sobre os candidatos e propostas. O que a experiência internacional tem mostrado é que o filtro moral permite a perseguição das minorias/opositores e aumenta
a corrupção estatal. A briga política se transfere para dentro do Estado na tentativa de se criar inelegibilidade para aquele adversário. Isso ocorreu na Venezuela e até nos Estados Unidos
para se impedir a população negra de votar no célebre caso Hunter _vs_. Underwood. Nesse caso a Constituição do Estado do Alabama impunha a inelegibilidade aqueles condenados por crimes
“envolving moral turpitude” (torpeza moral) e se direcionava para impedir o voto da população negra. No sistema interamericano somente pode haver inelegibilidade nas hipóteses (art. 23):
motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação por juiz competente em processo penal. Essas são as únicas restrições aos direitos e
oportunidades de participação política acolhidas pela norma convencional, dada a repercussão desses direitos fundamentais, conforme o art. 23 da Convenção Americana e de vários precedentes
como o Caso Petro Urrego vs. Colômbia. Na Europa, da mesma forma, exige-se uma ofensa criminal grave. Os filtros da democracia são feitos pelos partidos e pelo voto. Tudo o mais é tutela
indevida, sob a alegação que o povo “não sabe escolher”. No fundo é uma lei altamente aristocrática e iliberal, porque quer se substituir ao povo nas suas escolhas. Curioso é ver liberais
caindo neste engodo.