
Inspirada em líderes como mandela ou sousa mendes. O que é a filosofia africana ubuntu e por que ganha adeptos nas escolas portuguesas?
Play all audios:

“ACEITO QUE UM ALUNO NÃO QUEIRA CONSTRUIR PONTES, POSSO RESPEITAR QUE SEJA PASSIVO, O QUE NÃO ACEITO É QUE DESTRUA AS PONTES QUE CONSTRUÍMOS.” Paulo Mota é diretor da secundária Almeida
Garrett, em Vila Nova de Gaia, uma escola não agrupada e uma das primeiras em Portugal a deixar entrar a filosofia africana Ubuntu. A referência às pontes não vem por acaso: Ubuntu é criar
pontes, laços, perceber que sem o outro ninguém existe. Quando Paulo Mota pôs o braço no ar para participar na iniciativa — APRESENTADA ÀS ESCOLAS DE GAIA PELA CÂMARA MUNICIPAL — a
secundária Almeida Garrett estava fora da lista daquelas onde o programa faria especial sentido por terem comunidades mais problemáticas. Mas Paulo Mota gostou tanto do que ouviu que foi em
frente. Formou na filosofia africana professores e técnicos especializados da escola (psicólogos), avançou para as academias de alunos — uma semana inteira Ubuntu sem aulas — e criou o clube
com o mesmo nome. Hoje, o objetivo é chegar a cada vez mais estudantes, de preferência à maioria, mesmo que saiba que nunca chegará a todos. Ubuntu, de forma muito resumida, é um programa
de capacitação de jovens que usa como modelos de inspiração líderes como NELSON MANDELA, MARTIN LUTHER KING, MALALA, MADRE TERESA DE CALCUTÁ OU ARISTIDES DE SOUSA MENDES. De origem africana,
traduz-se na expressão “eu sou porque tu és”, e valoriza a solidariedade, procurando inspirar os jovens a serem agentes de mudança ao serviço da comunidade, de forma a construir uma
sociedade mais justa e solidária. > Ministro sublinha importância da filosofia “ubuntu” nas escolas > para aprender e ser melhor Este ano letivo, o programa ganhou novo fôlego. O
Instituto Padre António Vieira (IPAV), criador das Academias Ubuntu, assinou uma parceria com a Direção Geral de Educação (DGE) e A INICIATIVA PASSOU A FAZER PARTE DO PLANO 21|23 ESCOLA+.
Dito de outra forma, ao ser integrado no programa de recuperação de aprendizagens desenhado pelo Ministério da Educação, que serve de resposta às perdas sofridas pelos alunos durante a
pandemia (académicas e sócio-emocionais), QUALQUER ESCOLA DO PAÍS PODE CANDIDATAR-SE A TER UMA ACADEMIA DE LÍDERES UBUNTU. O mentor do projeto, Rui Marques, não podia estar mais satisfeito e
os vários diretores ouvidos pelo Observador aplaudem a iniciativa — desde que se mantenha de adesão voluntária, quer seja da escola, dos professores e dos alunos. > Recuperação de
aprendizagens. Plano para 2 anos vai custar 900 > milhões de euros. Governo promete mais 50 salas de pré-escolar O programa em escolas públicas é único em Portugal — em 2016 tinha duas
escolas, hoje chega a 380 —, mas o IPAV quer crescer e já tem parcerias com dezenas de países. Para chegar às escolas, nos últimos anos, têm sido os municípios a entrar com o financiamento
necessário. Um dos exemplos é o da Câmara da Mealhada — que celebrou um protocolo com o Instituto Padre António Vieira e o agrupamento de escolas do município —, atribuindo um total de 18
mil euros ao IPAV para a implementação e execução do projeto em três anos letivos consecutivos (2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023). FEITAS AS CONTAS, SÃO 6 MIL EUROS POR ANO PARA AS VÁRIAS
ESCOLAS. Seja em que agrupamento for, o custo por aluno irá variar consoante o número de estudantes que cada escola mobiliza para as suas academias, explica Rui Marques. “A NOSSA ESTIMATIVA
É QUE POSSA CORRESPONDER ENTRE 60 A 90 EUROS POR ALUNO PARTICIPANTE E POR ANO LETIVO.” Segundo declarações feitas no início do ano letivo pelo ministro da Educação, cada aluno da rede
pública custa 6.200 euros por ano ao Estado, segundo as contas do ministério que apontam para um aumento da despesa de mais de 30% nos últimos seis anos. > Tutorias e escolas de verão:
com 1.500 euros por aluno, cada > criança pode recuperar mais de um ano de aprendizagens perdidas A Fundação Gulbenkian, parceira da iniciativa desde o seu nascimento em 2010, já investiu
cerca de um milhão e meio de euros nas várias vertentes do Projeto Ubuntu, do qual as Academias são uma pequena parte. Estas passam agora a estar inseridas, durante três anos letivos, no
plano de recuperação de aprendizagens que assenta em três eixos e cinco domínios. O orçamento? 900 milhões de euros para a totalidade do plano de recuperação, do qual Ubuntu é uma ínfima
parte. No Plano 21|23, as Academias Ubuntu fazem parte do eixo Ensinar a Aprender (que oferece 37 ações específicas à escolha dos diretores) e do domínio Inclusão e Bem Estar. Este engloba
oito ações específicas e, dentro delas, as academias Ubuntu fazem parte do Programa para Competências Sócio Emocionais. > Cada aluno custa 6.200 euros por ano, um aumento de 30% desde
2015 João Costa, secretário de Estado Adjunto da Educação, explica ao Observador que Ubuntu não é único, há outros movimentos de empreendedorismo social a acontecer nas escolas de todo o
mundo. “Há várias iniciativas deste tipo noutros países, por exemplo o programa Ashoka, ou o Dream a Dream, com forte presença na Índia. Portugal é, tanto quanto me é dado perceber, um dos
poucos países que integra um programa desta natureza na política pública de educação.” O programa Ashoka, que tem presença em Portugal, defende que todos são agentes de mudança e contribuem
para alterações sociais de uma maneira positiva. Uma das suas pedras basilares é garantir que todas as crianças praticam a empatia. Já o Dream a Dream chama a si a missão de capacitar jovens
de origens vulneráveis a superar as adversidades, dando-lhes competências sócio-emocionais, para que possam prosperar. > Nem chumbar, nem passar. Nesta escola, a única alternativa é
> aprender Com tantos projetos que visam aumentar as _soft skills_ dos estudantes, por que motivo a escolha recaiu no Ubuntu? Enquanto o projeto funcionou em piloto, explica João Costa,
teve sempre o acompanhamento da tutela e o apoio financeiro de alguns municípios e da Gulbenkian e foi mostrando resultados positivos entre os alunos. “Os resultados dos estudos de impacto e
a avaliação das intervenções nas escolas TEIP revela que há um efeito transformador em várias dimensões do desenvolvimento dos alunos, em tudo coerente com o trabalho pretendido no Apoio
Tutorial Específico, pelo que entendemos que faria todo o sentido abrir a possibilidade a que todas escolas aderissem ao programa.” O secretário de Estado diz ainda que “a fase piloto foi
sujeita a avaliação, sendo manifestos os impactos nos resultados escolares e em competências sociais e emocionais”. Desde que o Apoio Tutorial Específico foi criado, em 2016, que se assumiu
que se devia centrar no desenvolvimento de competências que permitem uma melhor relação dos alunos consigo próprios e com os outros, argumenta João Costa. “Entendemos que este programa é um
apoio inequívoco para os professores tutores.” O Observador pediu ao ministério dados dessa avaliação, mas não os obteve até à publicação deste texto. Da mesma forma, o ministério não
esclareceu quais os custos das academias por aluno. Os números concretos são apresentados por Rui Marques e decorrem da avaliação de impacto que é medida através da autoavaliação: os jovens
dizem como estavam no início da formação e dizem como estão no final. A seguir é fazer contas. “Esta ferramenta mostra, consistentemente, melhorias em todos os indicadores”, sublinha Rui
Marques. > Oito escolas que estão a mudar o ensino em Portugal Os aumentos mais expressivos são nos indicadores da autoconfiança, que sobe, em média, 34%; no do desenvolvimento pessoal e
profissional (28%); no da autoestima (24%); e no do autoconhecimento (22%). “Em autoavaliação, os estudantes participantes sinalizam um impacto muito significativo, mas temos em
desenvolvimento outras ferramentas de avaliação que nos darão progressivamente mais informação sobre o impacto gerado na Academia”, sustenta Rui Marques. Aliás, o facto de fazer parte do
plano de recuperação e aprendizagens obriga a isso mesmo: a medir e monitorizar resultados.