Fatores ESG e valuation: contribuições da pesquisa acadêmica

Fatores ESG e valuation: contribuições da pesquisa acadêmica


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Executivos e analistas, nas empresas e instituições financeiras, têm pouco tempo para buscar informações fora das suas fontes tradicionais, que tentam resumir e, algumas vezes, simplificar


questões complexas e multidimensionais. Sustentabilidade corporativa e análise ESG se enquadram nos desafios de abrangência e complexidade.


A pesquisa acadêmica, sujeita ao rigor metodológico, mas frequentemente apresentada em linguagem pouco amigável, pode ficar fora do radar dos practitioners. Pesquisas sobre o relacionamento


entre desempenho socioambiental (DSA) e desempenho financeiro corporativo (DFC) são realizadas desde a década de 1970. Elas ajudam no entendimento das suas conexões e trazendo elementos para


as discussões entre os apaixonados pela análise ESG, que às vezes exageram o seu alcance, e os anti-ESG, que enxergam apenas defeitos onde também existem virtudes.


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Desempenho na agenda ESG é insuficiente, mostra Observatório 2030, do Pacto Global ONU BrasilEmissões zero em 2050 é sonho distante para a aviação Que contribuições a pesquisa acadêmica tem


trazido aos practitioners nas áreas de sustentabilidade corporativa e análise ESG? Um caminho para responder a essa pergunta pode ser o exame de “meta-análises”. Como o nome revela, trata-se


de “análises das análises”, ou seja, após muitos anos de pesquisa sobre um tema, pesquisadores fazem uma ampla revisão do que foi estudado, tentando consolidar o conhecimento através da


identificação de pontos de consenso e divergências. Uma discussão de todo o conteúdo individualizado seria espinhosa, mas podemos recorrer à meta-análises (abordagem estatisticamente mais


rigorosa) ou mesmo a vote-count studies (com maiores limitações estatísticas) para termos uma visão das principais conclusões de uma grande quantidade de estudos.


No artigo “ESG and Financial Performance”, publicado em 2015 no Journal of Sustainable Finance & Investment, Gunnar Friede, Timo Busch e Alexander Bassen tentaram, através da revisão de 25


meta-análises e 35 vote-count studies, combinar as evidências de, aproximadamente, 2200 pesquisas. De forma simplificada, o principal resultado foi que o business case do investimento ESG


tem bom fundamento empírico. Em torno de 90% das pesquisas indicaram relação não-negativa entre critérios ESG e DFC, com a grande maioria apontando relação positiva.


Adicionalmente, a relação se revelou estável ao longo do tempo. Os autores concluem que a orientação para o investimento responsável de longo prazo tem importância para todos os tipos de


investidores, ajudando a cumprir com o dever fiduciário e podendo contribuir para o alinhamento dos interesses dos investidores com os objetivos mais amplos da sociedade. Destacam, porém,


que isto exige um entendimento profundo e detalhado da integração dos critérios ESG no processo de investimento, de forma a capturar o seu potencial de geração de valor. Encerram registrando


a importância de considerar as diferenças de portfolios, regiões e classes de ativos, ou seja, alertam para os riscos de generalizações indevidas.


Este estudo permite uma visão histórica e prospectiva da conexão entre fatores ESG e valuation, mas você deve estar perguntando se há algum estudo mais recente, com abordagem semelhante.


Em 2021, a New York University (Stern School of Business – Center for Sustainable Business) e a Rockefeller Asset Management publicaram o estudo “ESG and Financial Performance”. Os autores,


Tensie Whelan, Ulrich Atz & Casey Clark, sintetizaram as evidências agregadas de mais de 1000 estudos individuais publicados entre 2015 e 2020. Alguns dos principais resultados foram: 1)


relação positiva entre fatores ESG e desempenho financeiro em 58% dos estudos corporativos, com maior clareza em horizontes temporais mais longos; 2) nos estudos de investimentos, 59% com


desempenho igual ou superior aos investimentos convencionais e proteção adicional para quedas durante crises econômicas ou sociais.


Os resultados das pesquisas individuais foram complementados pela revisão de meta-análises do mesmo período, sendo 13 na área corporativa e 2 na área de investimentos. O primeiro grupo


encontrou relacionamento consistentemente positivo entre fatores ESG e DFC, enquanto o segundo identificou resultados sem distinção estatisticamente significativa entre investimentos ESG e


convencionais, cabendo observar que os dois resultados se mostraram robustos ao longo do tempo e espaço. Finalmente, iniciativas sustentáveis nas empresas pareceram propiciar melhor


desempenho financeiro quando mediadas por fatores como melhoria na gestão de risco e inovação. No exame dos resultados de pesquisa acadêmica, é importante lembrar que correlação e


causalidade são conceitos diferentes, embora muitas vezes confundidos. Se dois fenômenos ocorrem ao mesmo tempo, não podemos concluir que um deles causa o outro, pois outros fatores poderão


ser a causa de ambos. Conceitos adicionais, como causalidade reversa e indicador antecedente, também não podem ser esquecidos na interpretação dos resultados.


Para encerrar, vale a pena olhar a versão preliminar, de dezembro de 2022, do artigo “The End of ESG”, na revista Financial Management, onde Alex Edmans (London Business School) conclui que


ESG é algo extremamente importante, mas nada tem de especial. A grande importância decorre de ser fundamental para valuation de longo prazo. Não se trata, porém, de algo especial, por ter a


mesma relevância de outros ativos intangíveis que geram retornos financeiros e sociais de longo prazo, como qualidade da gestão, cultura corporativa e inovação. Em resumo, todos os value


drivers merecem atenção porque queremos ter boas empresas e não apenas empresas que são boas em critérios ESG.


Convido o leitor que chegou até este ponto a não aceitar passivamente as conclusões dos autores dos artigos, muito menos as minhas. Leia os artigos originais, examine as evidências e tire


suas próprias conclusões.


Sobre o autor: Celso Lemme, professor do Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ desde 1999, nas áreas de finanças e de sustentabilidade corporativa — Foto: Divulgação * Celso Funcia


Lemme é professor de finanças e de sustentabilidade corporativa do Instituto Coppead de Administração da UFRJ. O texto registra a opinião do autor, sem comprometimento com o Coppead e o


autor agradece ao Prof. Ricardo Leal, pela generosidade de compartilhar seu conhecimento sobre pesquisa acadêmica, ao longo de muitos anos de convívio.


Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer


natureza em decorrência do uso destas informações.


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