Faculdades omitem comportamento violento dos alunos, diz professor da usp
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O comportamento da direção das faculdades em relação a casos de trotes violentos tende a manter fortes grupos de alunos que praticam esse tipo de ritual como forma de demonstrar poder. Essa
é a opinião do médico e professor da USP (Universidade de São Paulo) Marco Akerman, um dos autores do livro “Bulindo com a universidade — Um estudo sobre o trote na medicina”. A FMUSP
(Faculdade de Medicina da USP), uma das mais tradicionais e respeitadas do País, virou foco das atenções depois que alunos denunciaram agressões físicas praticadas por colegas em rituais de
iniciação e passagem. Para Akerman, casos como esse sempre existiram, mas a maioria fica guardada atrás dos muros da universidade, graças ao silêncio de alunos e educadores. Em entrevista ao
R7, o professor ainda disse que existe uma espécie de “pacto” para manter os trotes e que as relações entre os estudantes influenciam em toda a formação profissional e na carreira deles.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista: Marco Akerman: Existe um acordo tácito de que tudo o que acontece é para ser guardado dentro da escola. Eu não diria que a maioria conduz e
que está de acordo com isso, mas a maioria se cala. É um pacto entre os veteranos e os calouros que tem algumas regras a serem cumpridas. Uma delas é a hierarquia entre calouros e
veteranos. O trote, que parece ser algo que acontece só na recepção dos alunos, acontece ao longo do ano e da vida estudantil. R7: A direção dessas faculdades costuma ser omissa ao ter
relatos de casos de violência envolvendo alunos? Akerman: Como os estudantes dessas fraternidades defendem a faculdade, interessa aos dirigentes ter sempre alunos que nunca gostarão que as
mazelas da escola saiam para fora. Então, eles formam um escudo protetor das mazelas da escola. E aí, prevalece sempre o interesse de resolver as coisas internamente, buscar caminhos entre
eles mesmos, sem que o mundo lá fora saiba dos problemas. R7: A organização das fraternidades tem algum reflexo na carreira dos estudantes? Akerman: Sim. Geralmente os que comandam são
alunos vinculados a atividades esportivas, que organizam festas. São os alunos brancos, bonitos, ricos, heterossexuais. E esses alunos vão se conectando com alunos do ano anterior, do ano
seguinte e formando uma rede de poder nas escolas que repercute depois na formação, na busca de emprego, na escolha de residentes, no credenciamento de médicos nos diversos programas. R7: No
mercado de trabalho esses profissionais seriam considerados superiores? Akerman: Se eles já são considerados [líderes] nessa hierarquia que valoriza o estudante mais antigo em relação ao
mais novo, imagine então o que vale outro profissional, um psicólogo, um fisioterapeuta, por exemplo. E aí, o paciente valerá menos ainda. Isso dificulta o relacionamento entre
profissionais, a formação de equipes e a própria prática de humanizar a saúde. R7: As denúncias de trotes violentos na FMUSP vão ter algum efeito negativo na imagem da universidade? Isso
mancha um pouco. Mas, ao mesmo tempo, a única maneira de interromper o ciclo da violência contra crianças, a violência doméstica, é rompendo o silêncio. Então, de alguma forma, a USP, os
estudantes da USP estão tendo coragem de romper o silêncio. O que está acontecendo nas escolas médicas é uma espécie de currículo oculto em que atitudes machistas, homofóbicas, racistas são
valorizadas. R7: Passar por trotes violentos e ficar quieto significa algo entre os estudantes? Akerman: Dizem que a carreira médica é uma carreira em que precisa ter couro duro. Você tem
que mostrar que vai suportar o plantão duro, as horas de trabalho, cirurgias longas, o estresse da morte, o estresse da dor. Então, você vai construindo o couro duro desde o início da
faculdade. Ao mesmo tempo, é um jeito que os alunos têm de ser parte do grupo. Não são todos que se submetem aos trotes. Os que passam por essas provações, e aí até consentem com isso,
querem futuramente ocupar um posto de poder. R7: Como seria possível combater os trotes violentos dentro das faculdades? Akerman: Primeiro, tem que denunciar. Não acho que as escolas têm que
se tornar um espaço de alcaguetes, mas tem que romper o silêncio. Além disso, as faculdades precisam ter espaços acolhedores. Os casos têm de ser apurados, para que não haja injustiça. E
comprovadas essas denúncias, tem de haver punição. A escola é de alguma forma um reflexo da sociedade. Se todo mundo entra na escola já esperando isso [trotes], então, vai naturalizando.
Vamos celebrar a aprovação na escola médica, mas não vamos fazer disso uma entrada em especial em uma fraternidade.